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Continuação da Parte I

O nazismo que sucedeu à República de Weimar não foi apenas consequência das extorsivas imposições dos vencedores da guerra, mas também do esforço de conter a revolução russa e derrotar a classe operária e o socialismo.

Uma revolução é um processo histórico e político objetivo cuja eclosão não depende da vontade de um grupo de dirigentes ou de um partido – ela resulta do entrechoque das “camadas tectônicas” que movem a sociedade, a luta entre classes sociais antagônicas. Sua solução pode levar ao avanço ou à paralisia do processo histórico. Seu desencadear está ligado a estas condições objetivas e também à existência de um partido e líderes capazes de cumprir suas responsabilidades históricas.

Na Alemanha, a direção do SPD tentou parar a revolução, presa à crença de ser mais adequado e “democrático” deixar a solução do confronto para a Assembleia Constituinte. A conclusão que se impõe é a de que, da mesma forma como uma revolução não se deflagra pela vontade subjetiva de um grupo de revolucionários, ela também não pode ser detida por escolhas políticas feitas por aqueles que deveriam estar à sua frente.

Por isso, na Alemanha, o processo social da revolução continuou. Com a derrota dos operários revolucionários, aquele processo evoluiu para a direita, e sua saída lógica foi o nazismo que chegou ao poder em 1933.

Para a direita radical, sobretudo aquela que acolhe criminosos, como o partido nazista, não existe o respeito à lei quando ela é um obstáculo  a seus objetivos.

A subida ao poder de Adolf Hitler e do Partido Nazista, e o domínio completo e absoluto dele é um exemplo dessa malversação da lei. A tomada do poder pelos nazistas não resultou de um golpe de Estado, mas do crescimento eleitoral gradual do Partido Nazista, cujo começo eleitoral foi quase obscuro, alcançando apenas 12 cadeiras no parlamento (o Reichstag), em 1928.

Mas, em apenas dois anos, impulsionados pelas consequências da crise de 1929, que fez crescer as dificuldades econômicas e o desemprego, os nazistas passaram a figurar entre os grandes partidos – na eleição de 1930 conquistaram 107 cadeiras e se tornaram o segundo maior partido no parlamento. Cresceram ainda mais na eleição de 31 de julho de 1932 e elegeram 230 deputados, tornando-se o maior partido no Reichstag. Naquela eleição os nazistas tiveram 13.745.680  votos – ou 37% do total. Mas o Partido Nazista não alcançou a maioria parlamentar que lhe permitisse governar o país. Mas nessa eleição de 1932 Hitler conquistou as credenciais que o levaram ao poder.

A condição de maior partido no Reichtag, animada por intrigas em torno do octogenário presidente Pavel Hindenburg, resultou na nomeação de Hitler como chanceler em 30 de Janeiro de 1933, com base em uma aliança do Partido Nazista e o fascista DNVP (Partido Popular Nacional Alemão). Tomando posse do governo, os nazistas imaginaram que que ali se iniciava seu domínio incontestável e usaram vários truques para manipular eventos a fim de consolidar seu  domínio.

O historiador Richard Evans descreve como, naquela noite de 30 de janeiro, as milícias nazistas desfilaram com tochas diante da janela da Chancelaria, para impressionar o presidente Hindenburg. Os que desfilavam faziam rodízio – passavam pela janela e voltavam a desfilar, para sugerir um número muito maior de manifestantes. Os nazistas demonstravam ali sua arte de manipulação para manter o poder. No governo, deram sucessivos golpes para afastar os demais partidos e exercer sozinhos o poder,de  maneira autoritária e ditatorial. Um golpe na longa série de atentados nazistas para impor-se ao parlamento e ao governo foi o incêndio do Reichstag, que ocorreu menos de um mês depois da posse de Hitler, em 27 de fevereiro de 1933.

No dia seguinte, 28 de fevereiro, foi assinado o Decreto do Presidente do Reich eliminando a liberdade de expressão, de opinião, de reunião e de imprensa. O sigilo do correio também era abolido. Além disso, dava ao governo nazista poderes para “intervir” nos Estados, a fim de garantir “a paz e a ordem”. A comoção na Alemanha foi enorme. O incêndio foi falsamente atribuído ao comunista holandês Marinus van der Lubbe, diagnosticado com retardo mental, que foi encontrado no local gritando palavras de ordem pela revolução. Foi preso e condenado pelo ato terrorista.

Ato que foi pretexto para acusar os comunistas pelo atentado e apenas naquele dia mais de 5 mil foram presos em toda a Alemanha, e muitos foram assassinados. Em seguida, o Partido Comunista Alemão foi banido do parlamento. A repressão atingiu também anarquistas, socialistas e democratas; muitos foram presos e enviados para o campo de concentração de Dachau, uma prática repressiva desumana que os nazistas começaram a aplicar logo depois da tomada do poder.

Baseados na reação provocada, e explorando o medo que setores das classes dominantes e classes médias de que o incêndio do Reichstag seria a senha para uma revolução comunista, os nazistas logo tomaram providências para eliminar os demais partidos e consolidar seu domínio. Em junho. expulsaram do parlamento também os socialdemocratas (SPD).

Entre junho e julho foi a vez dos Nacionalistas (DNVP), que participavam do governo na ilusão de controlar Hitler e os nazistas. Afastaram também o Partido Popular (DVP) e o Partido do Estado (DStP); mesmo o Partido do Centro Católico foi obrigado a se dissolver em 5 de julho de 1933. De tal maneira que já em 14 de Julho de 1933 (menos de meio ano após a chegada dos nazistas ao poder) a Alemanha tornou-se um regime de partido único.

Além dos golpes contra a democracia partidária – mesmo conservadora – outros foram desferidos contra a ordem institucional, com apoio do parlamento que os nazistas controlavam, por ter o maior número de deputados e pela intimidação dos adversários. Menos de quatro meses depois da chegada de Hitler ao poder, em 24 de maio de 1933 o Reichstag abriu mão de sua função legislativa, que foi atribuída a Hitler.

A morte do presidente Hindenburg em 2 de Agosto de 1934 foi o pretexto para o golpe final, que concentrou em Hitler todos os poderes da República – ele fundiu em sua pessoa os cargos de presidente e chanceler (Reichspräsident e Reichskanzler), e se tornou o chefe das forças armadas, a quem os militares passaram a jurar fidelidade.

A direita nazista chegou ao poder e o consolidou como ditadura aberta em cerca de um ano e meio de manipulações e golpes contra o Estado Democrático de Direito. Criou as condições para, exercendo o poder como partido único, o Partido Nazista e Adolf Hitler pudessem colocar em prática seu ódio aos comunistas, aos judeus e aos democratas em geral. Papel no exercício do qual, tendo a cumplicidade de dirigenes de potências ocidentais, cometeram os graves crimes registrados pela história. Barbárie mobilizada pelas classes dominantes em busca de manter seu domínio contra a revolução proletária que aponta para o avanço civilizacional.

REFERÊNCIAS

Evans, Richard J. “O Terceiro Reich em Guerra”. São Paulo, Planeta, 2012

Hajek, Micos. “A discussão sobre a frente única e a revolução abortada na Alemanha”. In Hobsbawm: 1985.

Hobsbawm, Eric. “Era dos extremos – O breve século XX -1914-1991″. São Paulo, Cia das Letras, 1995.

Hobsbawm, Eric. “História do Marxismo”. Vol. VI. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1985.

Marx, Karl. “O Capital”. Vol. 1. México DF, Fundo de Cultura Econômica, 1978

Mayer, Arno. “A força da tradição”. São Paulo, Cia das Letras. 1987.

Mayer, Arno. “Dinâmica da contra revolução na Europa, 1870-1956”. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977.

Shirer, William. “Ascensão e queda do Terceiro Reich”. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1975

(*) Texto apresentado no debate “Fascismo e Nazismo: Os reflexos no Brasil”, promovido (em live na internet) pela Fundação Maurício Grabois/PE, em 15 de julho de 2020.